sexta-feira, 27 de junho de 2008

Posso Escrever os Versos... (Pablo Neruda)




Está uma noite esplêndida.
Estou na varanda, num estado que o algarvio tão bem define de "escalmerrada"! :)
O fresquinho do chão é o melhor palco, aqui, de onde vos escrevo.
Inevitavelmente agarro-me à poesia debaixo das estrelas, num momento de profundo prazer e deleite depois de um dia cheio, quente, pesado.

Pablo Neruda, um poeta chileno de overdose romântica, escreve paixão como ninguém. One of my favourites! Sente forte e a língua sul americana dá a melodia perfeita aos seus versos.
Dá-lhes a sensualidade que eles procuram na boca de quem os lê. A voluptuosidade de um coração latino.

Deixo-vos um poema que fala de mais uma mulher da sua vida, mas que, na sua boca, ganha a ilusão de exclusividade. Sim, porque este senhor era um papy das chicas! :)

É um dos meus favoritos. Fala simples e bonito. :) Ideal para quem tiver para aí com dor de corno, pois é disso que fala. :)
(Não!!! Não estou apaixonada, para os mais curiosos. Apenas gosto do poema, tá?!)

Não resisto em deixar-vos também em espanhol (vide vídeo acima).

Vejam se não ganha outra força. ;)


POSSO ESCREVER OS VERSOS...

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,

e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.»

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu amei-a, e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a eu nos meus braços.

Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.

Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.

E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.

A noite está estrelada e ela não está comigo.


Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.

A minha alma não se contenta com havê-la perdido.


Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.

O meu coração procura-a, e ela não está comigo.


A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.

Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.


Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei.

Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.


De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.

A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.


Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.

É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.


Porque em noites como esta a tive nos meus braços,

a minha alma não se contenta com havê-la perdido.


Embora esta seja a última dor que ela me causa,

e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

(Fonte: "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada")

7 postas de pescada:

Anónimo disse...

Já que falaste de Neruda, de calor e de voluptuosidade, aqui fica (de deixar água na boca...):

Rodando a goterones solos,
a gotas como dientes,
a espesos goterones de mermelada y sangre,
rodando a goterones,
cae el agua,
como una espada en gotas,
como un desgarrador río de vidrio,
cae mordiendo,
golpeando el eje de la simetría, pegando en las costuras del
alma,
rompiendo cosas abandonadas, empapando lo oscuro.

Solamente es un soplo, más húmedo que el llanto,
un líquido, un sudor, un aceite sin nombre,
un movimiento agudo,
haciéndose, espesándose,
cae el agua,
a goterones lentos,
hacia su mar, hacia su seco océano,
hacia su ola sin agua.

Veo el verano extenso, y un estertor saliendo de un granero,
bodegas, cigarras,
poblaciones, estímulos,
habitaciones, niñas
durmiendo con las manos en el corazón,
soñando con bandidos, con incendios,
veo barcos,
veo árboles de médula
erizados como gatos rabiosos,
veo sangre, puñales y medias de mujer,
y pelos de hombre,
veo camas, veo corredores donde grita una virgen,
veo frazadas y órganos y hoteles.

Veo los sueños sigilosos,
admito los postreros días,
y también los orígenes, y también los recuerdos,
como un párpado atrozmente levantado a la fuerza
estoy mirando.

Y entonces hay este sonido:
un ruido rojo de huesos,
un pegarse de carne,
y piernas amarillas como espigas juntándose.
Yo escucho entre el disparo de los besos,
escucho, sacudido entre respiraciones y sollozos.

Estoy mirando, oyendo,
con la mitad del alma en el mar y la mitad del alma
en la tierra,
y con las dos mitades del alma miro al mundo.

y aunque cierre los ojos y me cubra el corazón enteramente,
veo caer un agua sorda,
a goterones sordos.
Es como un huracán de gelatina,
como una catarata de espermas y medusas.
Veo correr un arco iris turbio.
Veo pasar sus aguas a través de los huesos.

Anónimo disse...

Ah e.....belo blog! Voltaremos mais vezes...;)

Gilberto Grão de Areia disse...

Esse poema é também delicioso!

;)

Anónimo disse...

Em suma (e estando perfeitamente seguro da minha heterossexualidade não me envergonho absolutamente nada de dizer isto...), o que é que no Pablo não é delicioso?...
Beijo desde Faro*

Anónimo disse...

Lindissimo, e ouvir em espanhol é assim uma cena por demais.

Pedro Ramoa disse...

As palavras em mim sempre no mesmo ponto de encontro.
Vemo-nos por lá, ou a partir de agora, por cá também ;)

Pedro Ramoa disse...

PS: Nas palavras em mim também moram agora grãos de areia ;)