terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Só o amor é real (ou mais uma declaração de amor a ela)


Comecei 2012 triste.
(Sim, 2012, não falo ainda de 2013, fica para depois.)

Foi identificado o segundo cancro na mulher que me criou, na minha avó, aos 79 anos, desta vez, nos intestinos, ainda em Dezembro de 2012 e foi como se me passasse 30 camiões de TIR em cima, devagarinho, partindo cada osso. Tenho os 4 meses mais difíceis de que me lembro nos últimos anos (Dezembro a Março) e apercebo-me, na verdadeira acepção da palavra, de que a vida quando resolve mexer nas pessoas que amamos faz-nos questionar tudo. Tudo se torna absolutamente irrelevante ao pé disso. Resolvo marcar uma viagem, em Março, para passar o meu aniversário fora, tentar recuperar-me em 15 dias, após sugestão de alguém que me era próximo e que me queria "de volta". Após 7 dias de lá estar, recebo a notícia de que ela entrou para o hospital, para ser operada de urgência, após uma hemorragia grave. Vou, no mesmo minuto, ao aeroporto tentar antecipar a data de regresso. Não consigo. Compro um novo bilhete (neste momento, também o dinheiro não é importante. Venderia um rim para ter aquele bilhete, se fosse preciso) e regresso passado 2 dias. Aterro em Faro e peço ao taxista que me deixe diretamente no hospital, ainda de malas. Chego ao hospital e fico 1 hora à entrada, a andar de um lado para o outro, freneticamente, sozinha, a chorar. A chorar muito, para que deixe na rua o meu medo e que só leve o meu sorriso lá cima. Vou comprar um ramo de geriberas, colorido, que a florista mo prepara com toda atenção, pondo um cartão que diz "Que o meu amor te encha os dias" (sem saber para o que era, acertou em cheio). Vou ao guichet e dou o nome da minha avó. Subo e vejo-a. Pequena. E com um olhar vazio, sem falar, que me rebentou por dentro. Não conseguia falar também, mas sorri, e dei-lhe beijinhos. Ela sorriu de volta. Ainda hoje não sei se naquele dia me reconheceu. Chega a enfermeira, que devia ser da minha idade, que me chama a parte e me diz que a demência agravou-se com a operação e que notaria consideráveis diferenças daqui para a frente.

Hoje, a minha avó (ainda) sabe sempre o meu nome quando vou ter com ela. Sempre que vou, temo que seja dessa vez que ela já não saiba. Até hoje não aconteceu comigo, mas já aconteceu com outros netos e outras pessoas da família. Mas a minha avó sabe quem eu sou e, ainda que converse comigo, muito, sobre coisas que nós achamos sem sentido, ela ainda sabe o meu nome e sorri quando me vê. E isso para mim é uma grande prova de amor. Nunca pensei que o facto da minha avó se lembrar do meu nome me fizesse tão feliz.

Hoje, passado um ano, a minha avó está num estado avançado da demência. Comunica, mas as conversas já não são de acontecimentos reais, são estórias que ela continua a contar com o mesmo gosto, paciência e entusiasmo de menina, que sempre teve, como se tudo fosse uma estória de encantar. Mantém aqueles tiques de conversa que todos temos, mas os dela: esfrega as mãos, passa o indicador e o polegar na cana do nariz, levanta as sobrancelhas e diz "bem!", traços esses que me lembram dela, da minha avó antes da doença.

Passado um ano, olho para trás e vejo como isto mudou a minha forma de ver o mundo. Vejo que a minha avó, mesmo sem saber, deu-me, mais uma vez, das lições mais bonitas de vida pelo exemplo, pela luta, por se lembrar ainda do meu nome: só o amor é real.

E isto inevitavelmente mudou-me para sempre.
E inevitavelmente, também, mudou o meu caminho.

0 postas de pescada: